Agente secreta de mim mesma

Foto: Divulgação

Noites de sábado são fascinantes. Por isso, algumas serão lembradas, especialmente aquelas em que eu deixei a solidão em casa.

Sempre fui avessa a lugares cheios e barulhos exagerados, mas abro espaço, atravesso a multidão. Tenho um encontro silencioso com a poesia. Pura. Intimista. Sagrada.

Sou contemplada por ela. Ah, se eu pudesse ficar um pouco mais…

Alguns passos dali, no caminho de volta, a igreja de paredes brancas, alvejada de luz, parece uma visão. Faço parte deste instante. Vestida de negro, agente secreta de mim mesma, fito-a na calçada, elevando os olhos à torre, até quase não poder mais, até a fé se render, e suspiro: Amanhã o sino tocará só para mim.

Que culpa tenho eu de enxergar além da escuridão? Afinal, há “estrelas pintadas nos muros, o céu ao alcance das minhas mãos!”

Num lampejo, rememoro o que alguém disse: A vida é bonita! Tá. Nunca duvidei: Histórias inesquecíveis acontecem na praça, na vida, na madrugada. E assim, sem querer, sinto-me a mulher mais feliz do universo. Esqueço todas as desimportâncias que o mundo tenta me impor, todo dia.

Sei que não estou sozinha. A voz de Helena ressoa incessante nos meus ouvidos: “Quem é essa que me olha de tão longe, com olhos que foram meus?” Será que me reconheço? Sou o cansaço ou o abraço? Sou mãe ou ainda filha de mim? A mendiga ou a rainha?

É quase meia-noite. Não tirei os sapatos. A Cinderela, hoje, no meu castelo, é apenas a boneca que pertenceu à minha filha.

Enfim, vejo-me de perto, com os olhos do meu amor. Agradeço à Helena, por me enxergar de longe. Um perfume sutil, que emana das minhas mãos, me faz escrever.

Os versos evocados são de Helena Kolody.

Leia outras colunas da Maria do Rocio Vaz aqui.

Maria do Rocio Vaz

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *